Deolinda Rodrigues de Almeida, nascida em Catete a 10 de Fevereiro de 1939, prima de Agostinho Neto, guerrilheira e dirigente do MPLA, a única mulher no Comité Director na década de sessenta, era filha de um pastor evangélico e estudou no Brasil e nos Estados Unidos na Drew University, com bolsas das missões metodistas, antes de regressar a África em 1962 e se juntar ao MPLA no Congo Léopoldville. Deolinda tinha o sonho pessoal de vir a ser médica, sonho que já representava uma fuga à norma colonial para uma mulher e negra na década de cinquenta. Na Igreja Metodista o estudo e a escrita eram encarados como um potencial transformador da vida e as mulheres eram encorajadas a estudar. Deolinda trocou o sonho pessoal pelo envolvimento no sonho colectivo do nacionalismo angolano. Pela seriedade com que se dedicou à causa nacionalista, pela consistência do seu exemplo que a levou à morte, a representação que a nação faz de Deolinda é a de uma heroína. Deolinda Rodrigues e companheiras Em 10 de Dezembro de 1966 no encerramento do curso de preparação militar do Esquadrão Camy, em que estavam integradas as heroínas angolanas.
Deolinda e companheiras partiriam um mês depois, isso em Janeiro de 1967, para uma missão fatídica ao interior de Angola, passando pela República do Zaire (actual República Democrática do Congo). Fracassada a tentativa de chegarem à Primeira Região PolíticoMilitar, empreenderam o caminho de regresso, vindo a ser capturadas pela FNLA na localidade de Kamuna, em território congolês, encarceradas em Kinkuzu e posteriormente assassinadas. O dia da sua detenção – 2 de Março de 1966 – foi consagrado como Dia da Mulher Angolana.
carrasca de upistas
espia de tugas
prostituta
mulher metida em política
aqui estou etiquetada disso
inquirindo o dim deste pesadelo
inquirindo
cada vez que soa o passo bruto,
ronca o jeep militar,
a corneta toca formatura geral.
colam-me o guarda à porta.
será o pelotão do talho,
a minha vez, a dele
um camarada na margem direita
o capitão conga vem levar-nos
agora ou nunca?
aqui estou eu inquirindo
sempre inquirindo.
na ilha do inferno não há túnel.
vietname acabou abuso yankee.
colômbia retomou caminho da dignidade.
outra mina rebentou em pretória.
acima de tudo
kipanzu
(com cienfuegos, kamy e o outro)
avança.
consertando o estragado
varrendo o colonialista
edificando o lógico.
brazza transmitiu a marcha do kamy?
inquirindo
inquirindo
inquirindo p'ra manter
a luta constante
entre o suicídio à espreita
e este louco redemoinho
até a manhã chegar,
p'ra mim sair viva do campo da morte
e poder ser útil
na liberdade de escolha
da responsabilidade a tomar
e liberdade de acção
para realizá-la.
Deolinda Rodrigues de Almeida
áfrica
mamã áfrica
geraste-me no teu ventre
nasci sob o tufão colonial
chuchei teu leite de cor
cresci
atrofiada mas cresci
juventude rápida
como a estrela que corre
quando morre o nganga
hoje sou mulher
não sei já se mulher se velhinha
mas é a ti que venho
África
Mamã África
tu que me geraste
não me mates
não praguejes um rebento teu
senão, não tens futuro,
não sejas matricida.
sou Angola, a tua Angola
não te juntes ao opressor
ao amigo do opressor
nem a teu filho bastardo
eles caçoam de ti
caíste na ratoeira
enganada
não distingues o verdadeiro do falso
no teu cândido e secular vigor
cegaste
agora és tu
áfrica
mamã áfrica
que dás força ao irmão bastardo
para asfixiar-me
azagaiar-me pelas costas
o opressor, o amigo do opressor
o teu filho bastardo
(também tu, mamã áfrica?)
Divertir-se-ão
Ao ouvir-me expirar
mas África
mamã África
pelo amor da coerência
ainda quero crer em ti.
Deolinda Rodrigues de Almeida (1939-1967)