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que cada dia que eu levante haja mais armonia e felicidade

que ao nascer do tempo nasça comigo mais um amigo

que a mulher de minha vida apareça em tempos e sejemos felizes antes dos trinta


Dr. Antonio Agostinho Neto
Dr. Antonio Agostinho Neto

António Agostinho Neto (Catete, Ícolo e Bengo, 17 de setembro de 1922Moscovo, 10 de setembro de 1979) foi um médico angolano, formado nas Universidades de Coimbra e de Lisboa, que em 1975 se tornou o primeiro presidente de Angola até 1979. Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o "Prémio Lenine da Paz".

Fez parte da geração de estudantes africanos que viria a desempenhar um papel decisivo na independência dos seus países naquela que ficou designada como a Guerra Colonial Portuguesa. Foi preso pela PIDE, a polícia política do regime Salazarista então vigente em Portugal, e deportado para o Tarrafal, uma prisão política em Cabo Verde; sendo-lhe depois fixada residência em Portugal, de onde fugiu para o exílio. Aí assumiu a direcção do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), do qual já era presidente honorário desde 1962. Em paralelo, desenvolveu uma actividade literária, escrevendo nomeadamente poemas.

 

Poesia

  • Quatro Poemas de Agostinho Neto, , e.a.1957Póvoa do Varzim
  • 1961 Poemas, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império
  • 1974 Sagrada Esperança, Lisboa, Sá da Costa (inclui os poemas dos dois primeiros livros)
  • 1982 A Renúncia Impossível, Luanda, INALD (edição póstuma)

Política

  • - Quem é o inimigo… qual é o nosso objectivo?1974
  • 1976 - Destruir o velho para construir o novo
  • 1980 - Ainda o meu sonho

 

Aqui no cárcere

 

aqui no cárcere

eu repetiria hikmet

se pensasse em ti marina

e naquela casa com uma avó e um menino


aqui no cárcere

eu repetiria os heróis

se alegremente cantasse

as canções guerreiras

com que o nosso povo esmaga a escravidão


aqui no cárcere

eu repetiria os santos

se lhes perdoasse

as sevícias e as mentiras

com que nos estralhaçam a felicidade


aqui no cárcere

a raiva contida no peito

espero pacientemente

o acumular das nuvens

ao sopro da história


ninguém 

impedirá a chuva.


Agostinho Neto

(Cadeira da PIDE

Julho de 1960)




Na pele do tambor

 

as mãos violentas insidiosamente batem

no tambor africano

e a pele percutida solta-me tam-tams gritantes

de sombras atléticas

à luz vermelha do fogo de após trabalho


esmago-me na pele batida do tambor africano

vibro em sanguinolentas deturpações de mim mesmo

à vontade das percussões alcoólicas 

sobre a pele esticada do meu cérebro


onde estou eu? quem sou eu?


vibro no couro pelado do tambor festivo

em europas sorridentes de farturas e turismos

sobre a fertilização do suor negro

nas áfricas envelhecidas pela vergonha de serem áfricas

nas áfricas renovadas do brilho firme do sol e da transformação

sedosa e explosiva do iniverso

dentro do movimento de mim mesmo na vibração ritmada

da pele cerebral do tambor africano

ritmada para o esforço de dançar a dança suave das palmeiras


vibro

em áfricas humanas de sons festivos e confusos

(que línguas pronunciais em mim irmãos

que não vos entendo neste ritmo?)


nunca me pensei tão pervertido

ó impureza criminosa dos séculos coloniais

(que história é essa da lebre e da tartaruga

que contas neste novo ritmo de fogueira

à noite

minha avozinha de pele negra de áfrica?)


mas tão longe nem tão pervertido

quanto as vibrações

da pele do meu cérebro

esticada no tambor das minas mãos

pela áfrica humana


as mãos entrelaçadas sobre mim

em gozo de vida em gargalhadas em alegrias

de lagos libertados por amplos verdes

para os mares

dão-me o tom da minha áfrica

dos povos negros do continente que nasce

fora dos abismos escurecidos da negação

ao lado de ritmos de dedos congestionados

sobre a pele envelhecida do tambor

dentro do qual vivo e vibro e clamo:

                                                          avante!


Agostinho Neto


Circunstância

 

sobre a ânsia de pão

derramada na vermelhidão ardente da areia

dos muceques


sobre a certeza firme

da força

no olhar choroso da criança negra


sobre a inutilidade da hora

do mundo parado

suspenso ante o sonho


a tua ausência amor

a tua ausência caindo em mim

suave e dolorosa

distinta e múltipla

como lá fora os bagos de chuva

sobre o enlameado do chão.


Agostinho Neto



Noite

 

eu vivo

nos bairros escuros do mundo

sem luz nem vida.


vou pelas ruas 

às apalpadelas

encostado aos meus informes sonhos

tropeçando na escravidão

ao meu desejo de ser.


são bairros de escravos

mundos de miséria

bairros escuros.


onde as vontades se diluíram

e os homens se confundiram

com as coisas.


ando aos trambolhões

pelas ruas sem luz

desconhecidas

pejadas de mística e terror

de braço dado com fantasmas.


também a noite é escura.


Agostinho Neto




Voz do sangue

 

palpita-me

os sons do batuque

e os ritmos melancólicos do blue.


ó negro esfarrapado

do harlem

ó dançarino de chicago

ó negro servidor do south


ó negro de áfrica

negros de todo o mundo


eu junto

ao vosso magnífico canto

a minha pobre voz

os meus humildes ritmos.


eu vos acompanho

pelas emaranhadas áfricas

do nosso rumo.


eu vos sinto

negros de todo o mundo

eu vivo a nossa história

meus irmãos.


Agostinho Neto




Civilização ocidental

 

latas pregadas em paus

fixados na terra

fazem a casa


os farrapos completam

a paisagem íntima


o sol atravessando as frestas

acorda o seu habitante


depois as doze horas de trabalho

escravo


britar pedra

acarretar pedra

britar pedra

acarretar pedra

ao sol

à chuva

britar pedra

acarretar pedra


a velhice vem cedo


uma esteira nas noites escuras

basta para ele morrer

grato

e de fome.


Agostinho Neto



Aspiração

 

ainda o meu canto dolente

e a minha tristeza

no congo na geórgia no amazonas


ainda

o meu sonho de batuque em noites de luar


ainda os meus braços

ainda os meus olhos

ainda os meus gritos


ainda o dorso vergastado

o coração abandonado

a alma entregue à fé

ainda a dúvida


e sobre os meus cantos

os meus sonhos

os meus olhos

os meus gritos

sobre o meu mundo isolado

o tempo parado


ainda o meu espírito

ainda o quissange

a marimba

a viola

o saxofone

ainda os meus ritmos de ritual orgíaco


ainda a minha vida

oferecida à vida

ainda o meu desejo


ainda o meu sonho

o meu grito

o meu braço

a sustentar o meu querer


e nas sanzalas

nas casas

nos subúrbios das cidades

para lá das linhas

nos recantos escuros das casas ricas

onde os negros murmuram: ainda


o meu desejo

transformado em força

inspirando as consciências desesperadas.


Agostinho Neto



O caminho das estrelas

 

seguindo

o caminho das estrelas

pela curva ágil do pescoço da gazela

sobre a onda

sobre a nuvem

com as asas primaveris da amizade


simples nota musical

indispensável átomo da harmonia

partícula

germe

cor

na combinação múltipla do humano


preciso e inevitável

como o inevitável passado escravo

através das consciências

como o presente


não abstracto

incolor entre ideais sem cor

sem ritmo entre as arritmias do irreal

inodoro

entre as selvas desaromatizadas

dos troncos sem raíz



mas concreto

vestido do verde

do cheiro das florestas depois da chuva

da seiva do raio do trovão

as mãos amparando a germinação do riso

sobre os campos da esperança


a liberdade nos olhos

o som nos ouvidos

das mãos ávidas sobre a pele do tambor

num acelerado e claro ritmo

de zaires calaáris montanhas luz

vermelha das fogueiras infinitas nos capinzais violentados

harmonias spiritual de vozes tamtam

num ritmo claro de áfrica


assim

o caminho das estrelas

pela curva ágil do pescoço da gazela

para a harmonia do mundo


Agostinho Neto




Vendedeira de ananases

 

quitandeira de ananases

eu gosto dos teus olhos

quando me fitas assim

tímida e suplicante

e expiar crimes

sofrendo por ter sofrido.


gosto dos teus olhos

que me segregam o tudo está consumado

do teu calvário

e me indicam

o caminho do ressurgimento.


gosto dos teus olhos

vendedeira de ananases

dos teus olhos nostálgicos

onde leio

as mágoas duma multidão.


gosto dos teus olhos

onde passeiam pensamentos distantes

ilusões perdidas

dias ainda não vividos

mas pressentidos.


gosto dos teus olhos

dirigidos para séculos idos

embebendo no perfume

do ananás

a esperança no alvorecer.


olha-me quitandeira de ananases

eu quero descobrir a vida.


Agostinho Neto



Boogie-Woogie

 

canta, calloway

geme os teus sons roucos

que se vão estrangular no vácuo

da vida


canta, armstrong

grita em músicas alegres

tuas finais de choro.


canta, robeson

tua música ambígua

triste, alegre, triste.


saxofones,

clarinetes de harlem


áfrica

multidões, cantai!

contai a vossa história

em audazes ritmos

de antifonias soluçantes.


cantai

mostrai-me os fragmentos

de corações quebrados

nas síncopes musicais

captadas

das florestas do congo.


cantai

vossos ritmos

respirados ao luar

quentes como a luz sensual

das fogueiras

tristes como o vosso drama.


entoai

vossas orgias de sentimento

história duma raça.


ó mágicos do som,

contai a nossa história.


Agostinho Neto


Com os olhos secos

 

com os olhos secos

- estrelas de brilho inevitável

através do corpo através do espírito

sobre os corpos inênimes dos mortos

sobre a solidão das vontades inertes

nós voltamos

 

nós estamos regressando áfrica

e todo o mundo estará presente

no super-batuque festivo

sob as sombras do maiombe

no carnaval grandioso

pelo bailundo pela lunda

 

com os olhos secos

contra este medo da nossa áfrica

que herdámos dos massacres e mentiras

 

nós voltamos áfrica

estrelas de brilho irresistível

com a palavra escrita nos olhos secos

- liberdade

 

Agostinho Neto



Poema para todos

 

para quê chorar

porque esperarmos

que outros venham consolar?

 

para quê querer uma ilusão

para apagar uma mentira?

 

o choro cansou o mundo

e a nós mesmos já causa tédio

e quando julgamos que o riso é choro

ele é riso simplesmente

porque já nem sabemos lamentar

 

mas olha à tua volta

abre bem os olhos

- vês?

 

aí está o mundo

construamos.

 

Agostinho Neto


Noite escura

 
sobre a curva do rio cuanza
o sol mergulha
vermelho
recortando no horizonte sombras de palmeiras

ai, é tão triste a noite sem estrelas!

um dia
o meu sol caiu no mar
e me anoiteceu

um dia começou uma noite sem estrelas.

mas na noite escura
os corações se erguem

ah!é tão alegre a madrugada!

Agostinho Neto




Não me peças sorrisos

 
não me exijas glórias
que ainda transpiro
os ais
dos feridos nas batalhas

não me exijas glórias
que eu sou o soldado desconhecido
da humanidade

as honras cabem aos generais

a minha glória
é tudo o que padeço
e que sofri
os meus sorrisos
tudo o que chorei

nem sorrisos nem glória

apenas um rosto duro
de quem constrói a estrada
por que há-de caminhar
pedra após pedra
em terrreno difícil

um rosto triste
pelo tanto esforço perdido
- o esforço dos tenazes que se cansam
à tarde
depois do trabalho

uma cabeça sem louros
porque não me encontro por ora
no catálogo das glória humanas

não me descobri na vida
e selvas desbravadas
escondem os caminhos
por que hei-de passar

mas hei-de encontrá-los
e segui-los
seja qual for o preço

então
num novo catálogo
mostrar-te-ei o meu rosto
coroado de ramos de palmeira

e terei para ti
os sorrisos que me pedes.

Agostinho Neto




Crueldade

 
caíram todos na armadilha
dos homens postados
à esquina

e de repente
no bairro acabou o baile
e as faces endureceram na noite

todos perguntaram por que foram presos
ninguém o sabe
e todos o sabem afinal

e ficou o silêncio
dum óbito sem gritos
que as mulheres agora choram

em corações alarmados
segredam místicas razões

da cidade iluminada
vêm gargalhadas
numa displicência cruel

para banalizar um acontecimento
quotidiano
vindo no silêncio da noite
do musseque Sambizanga
- um bairro de pretos!

Agostinho Neto


Velho Negro

 
vendido
e transportado nas galeras
vergastado pelos homens
linchado nas grandes cidades
esbugalhado até ao último tostão
humilhado até ao pó
sempre sempre vencido

é forçado a obedecer
a deus e aos homens
perdeu-se

perdeu a pátria
e a noção de ser

reduzido a farrapo
macaquearam seus gestos e a sua alma
diferente

Velho farrapo
negro
perdido no tempo
e dividido no espaço!

ao passar de tanga
com o espírito bem escondido
no silêncio das frases còncavas
murmuram eles:
pobre negro!

E os poetas dizem que são seus irmãos.



Agostinho Neto

 

 

Pausa

 
há esta angústia de ser humano
quando os répteis se entrincheiram no lodaçal
e os vermes se preparam para devorar uma linda criança
em indecorosa orgia de crueldade

e há esta alegria de ser humano
quando a manhã avança suave e forte
sobre a embriaguez sonora do cântico da terra
apavorando vermes e répteis

e entre a angústia e a alegria
um trilho imenso do Níger ao Cabo
onde marimbas e braços tambores e braços vozes e braços

harmonizam o cântico inaugural da nova África.
 
 
Agostinho Neto





Campos verdes

 

Os campos verdes, longas serras, ternos lagos
Estendem-se harmoniosos na terra tranquila
Onde os olhos adormecem temores vagos
Acesos mornamente sob a dura argila,

Seca, como outrora mingou a doce esperança
Quente, imperecível como sempre o amor
Sacrificada, sangrada na lembrança
Do esforço bestial do látego opressor.

Em campos verdes, longas serras, ternos lagos
Refulgem ígneas chamas, rubros rugem mares
Cintilando de ódio, com sorrisos em mil afagos

São as vozes em coro na impaciência
Buscando paz, a vida em cansaços seculares
Nos lábios soprando uma palavra: independência!



Agostinho Neto

 

 



Kinaxixi

 
gostava de estar sentado
num banco do Kinaxixi
às seis horas de uma tarde muito quente
e ficar...
 
 
 
 
 
 
alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado
 
 
 
 
 
 
e veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no kimbundo mestiço
das conversas
 
 
 
 
 
 
veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriaguez em cada álcool
 
 
 
 
 
 
nem felicidade nem ódio!
 
 
 
 
 
depois do sol posto
acenderiam as luzes e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simplesmente afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar
 
 
 
 
Agostinho Neto (1922-1977)